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Cap¨ªtulo 3 . Reestrutura??o da d¨ªvida de empresas e fam¨ªlias

Marcos jur¨ªdicos e institucionais de gest?o de fal¨ºncias constituem uma solu??o eficaz para aliviar a press?o sobre fam¨ªlias e empresas sobrecarregadas por d¨ªvidas insustent¨¢veis resultantes da pandemiai. No entanto, um aumento s¨²bito nos empr¨¦stimos inadimplentes (NPLs) e fal¨ºncias decorrentes da incapacidade das empresas de cumprir suas obriga??es de pagamento (figura 3.1) representa um desafio significativo para a capacidade dos sistemas de insolv¨ºncia de resolver fal¨ºncias em tempo h¨¢bil, mesmo em economias avan?adas com marcos jur¨ªdicos fortes e institui??es eficazes. Isso ocorre, em parte, em fun??o da complexidade dos processos de insolv¨ºncia conduzidos por tribunais. De acordo com dados do Banco Mundial, em um pa¨ªs m¨¦dio, casos de fal¨ºncia empresarial podem se arrastar por mais de dois anos. Processos complexos de liquida??o podem durar ainda mais, mesmo em sistemas judiciais que funcionem bem.

Figura 3.1 Porcentagem de empresas em atraso ou com expectativa de atraso no prazo de seis meses, por pa¨ªs, de junho a setembro de 2020



Fonte: Banco Mundial, COVID-19 Business Pulse Survey Dashboard, dados de 2020¨C2021, /en/data/interactive/2021/01/19/covid-19-business-pulse-survey-dashboard

Observa??o: A figura apresenta as porcentagens dos pa¨ªses pesquisados pelo Banco Mundial. 

Se o superendividamento aumenta rapidamente, a aus¨ºncia de mecanismos jur¨ªdicos eficazes para declarar fal¨ºncias ou resolver conflitos entre credores e devedores convida ¨¤ interfer¨ºncia pol¨ªtica no mercado de cr¨¦dito na forma de al¨ªvios da d¨ªvida determinados pelo governo. A??es desse tipo, com frequ¨ºncia, se tornam a ¨²nica alternativa para solucionar o problema de d¨ªvidas insustent¨¢veis. De fato, as economias emergentes t¨ºm feito amplo uso de programas politizados de perd?o de d¨ªvidas, os quais, muitas vezes, prejudicam a disciplina de cr¨¦dito e o acesso de mutu¨¢rios com capacidade de cr¨¦dito a empr¨¦stimos de longo prazoii.

Melhorar a capacidade institucional de administrar a insolv¨ºncia ¨¦ fundamental para a recupera??o econ?mica equitativa por v¨¢rias raz?es. As reformas dos sistemas de insolv¨ºncia est?o associadas a um acesso mais amplo ao cr¨¦ditoiii, melhor recupera??o dos credores, maior preserva??o de empregosiv, maior produtividadev e ¨ªndices mais baixos de fal¨ºncia entre pequenas empresasvi. Reformas que visem ¨¤ redu??o de custos tamb¨¦m podem criar as condi??es ideais para empresas invi¨¢veis entrarem com pedidos de liquida??ovii, o que facilitar¨¢ o fluxo de cr¨¦dito para os segmentos mais produtivos da economia. Em suma, as reformas para fortalecer os quadros de insolv¨ºncia na era da Covid-19 ajudam tanto no gerenciamento de crises quanto na recupera??o.

As seguintes reformas s?o recomendadas para aliviar o superendividamento resultante da Covid-19 e viabilizar uma recupera??o econ?mica equitativa. As reformas selecionadas podem ser realizadas por economias em v¨¢rios est¨¢gios de desenvolvimento, com diferentes graus de sofistica??o em sua legisla??o vigente de insolv¨ºncia e n¨ªveis de capacidade institucional. As reformas s?o comprovadamente eficazes, com base em pesquisas emp¨ªricas e li??es da experi¨ºncia.

Fortalecimento dos mecanismos formais de insolv¨ºncia

Uma robusta legisla??o formal de insolv¨ºncia define os direitos e comportamentos necess¨¢rios para que solu??es judiciais e extrajudiciais sejam obtidas de maneira ordenadaviii. Um sistema bem-concebido oferece incentivos capazes de motivar credores e devedores a cooperar no processo de resolu??o. Outros princ¨ªpios de um sistema robusto s?o regras previs¨ªveis de preced¨ºncia dos credores, que definem a ordem em que as d¨ªvidas ser?o pagasix; resolu??es oportunas, que resultam em um c¨ªrculo virtuoso capaz de motivar todos os atores a buscar solu??es extrajudiciaisx; e conhecimentos adequados sobre as complexidades da lei de fal¨ºncias. Por fim, ferramentas de alerta antecipado para a detec??o de dificuldades nas empresas s?o muito promissoras e permitem a identifica??o antecipada de devedores em dificuldades financeiras antes que tal dificuldade chegue ao ponto da insolv¨ºnciaxi.

Sistemas alternativos de resolu??o de conflitos  

Os sistemas de resolu??o alternativa de conflitos (RAC) podem fornecer solu??es mais r¨¢pidas e econ?micas que o sistema judicial formal, ao mesmo tempo que mant¨ºm parte do rigor dos tribunais. Em um processo de RAC, o devedor e o credor interagem diretamente, e o processo ¨¦ mediado por uma terceira parte, como um mediador ou ¨¢rbitro. As resolu??es t¨ºm car¨¢ter vinculante, e os participantes podem manter sua confidencialidade. Os processos de RAC variam conforme o grau de envolvimento do Judici¨¢rio. O processo de media??o ¨¦ inteiramente extrajudicial (embora os tribunais possam encaminhar as partes para media??o), ao passo que, nos casos de acordos h¨ªbridos, deve haver certo grau de supervis?o judicial ou uma confirma??o judicial de acordos extrajudiciais. Os processos de RAC exigem ades?o e coes?o significativas dos credores, pois, se eles n?o estiverem dispostos a fazer concess?es, o processo ser¨¢ interrompido. Comunica??es ativas e a busca de consenso entre os ¨®rg?os reguladores e o setor privado ¡ª por meio de instrumentos como acordos-quadro ou regras que permitam acordos de reestrutura??o vinculantes para credores minorit¨¢rios dissidentes ¡ª podem ajudar a enfrentar os desafios associados ¨¤ coes?o dos credores.

O Reino Unido ¨¦ frequentemente citado como um exemplo de jurisdi??o com um marco de RAC eficaz. A abordagem de Londres, um conjunto n?o legislativo de normas e princ¨ªpios culturais promovidos pelo Reserve Bankxii, orienta a forma como os credores, volunt¨¢ria e coletivamente, lidam com as dificuldades dos devedores. Seus princ¨ªpios fundamentais preveem que informa??es financeiras confi¨¢veis sobre o devedor estejam dispon¨ªveis e sejam compartilhadas entre os credores, que trabalham coletivamente para resolver a quest?o e compartilham, em par de igualdade, o ?nus de eventuais concess?esxiii. A abordagem de Londres requer uma coopera??o significativa dos credores, algo que pode estar faltando em algumas jurisdi??es. Uma maneira eficaz de facilitar a reestrutura??o em um contexto em que haja menos coes?o dos credores ¨¦ fazer com que os tribunais aprovem acordos extrajudiciais e vinculem os credores a tais acordos (uma abordagem adotada na Fran?a, por exemplo). Outra possibilidade ¨¦ a utiliza??o de um contrato entre credores que defina as regras para o processo de reestrutura??o. Um exemplo recente dessa abordagem s?o os Acordos-Quadro de Reestrutura??o Financeira atualizados da Turquia, que consistem em um modelo de corregulamenta??o sujeito ¨¤ supervis?o do regulador e com um papel mais limitado para os tribunais (e, talvez por isso, mais atraente para pa¨ªses com um sistema Judici¨¢rio mais fr¨¢gil ou com capacidade limitada).

Procedimentos judiciais e extrajudiciais acess¨ªveis para pequenas empresas

A crise econ?mica causada pela Covid-19 teve um impacto desproporcional nas micro, pequenas e m¨¦dias empresas (MPMEs) devido aos n¨ªveis mais baixos de capital dispon¨ªvel e ¨¤ maior exposi??o a setores vulner¨¢veis, o que ¨¦ t¨ªpico dessas empresas. As pequenas e m¨¦dias empresas frequentemente carecem de recursos e experi¨ºncia para compreender e utilizar sistemas de insolv¨ºncia complexos e custosos de maneira eficaz. Ao exacerbar esses problemas estruturais, os impactos da pandemia foram maiores para as pequenas empresas que para as grandes. De acordo com a pesquisa Business Pulse Survey do Banco Mundial, entre junho e setembro de 2020, 48% das MPMEs (53%, considerando apenas as microempresas) relataram atrasos ou expectativas de atraso no prazo de seis meses, ao passo que as grandes empresas em situa??o semelhante totalizavam 36% (figura 3.2). Al¨¦m disso, 83% das MPMEs (84% das microempresas) relataram vendas mensais inferiores ¨¤s do ano anterior, em compara??o com 73% das grandes empresas (figura 3.3). 


Fonte: Banco Mundial, COVID-19 Business Pulse Survey Dashboard, /en//interactive/2021/01/19/covid-19-business-pulse-survey-dashboard.

Observa??o: MPMEs = micro, pequenas e m¨¦dias empresas. 

Esses fatores ressaltam a necessidade de reformas espec¨ªficas nos sistemas de insolv¨ºncia capazes de atender a pequenas e m¨¦dias empresas. Essas reformas incluem o aumento da efici¨ºncia da reestrutura??o da d¨ªvida para empresas vi¨¢veis por meio da simplifica??o dos processos jur¨ªdicos, permitindo que os devedores mantenham o controle de seus neg¨®cios quando poss¨ªvel, disponibilizando novos financiamentos e utilizando procedimentos extrajudiciais para manter os custos baixos. Com essas reformas, os formuladores de pol¨ªticas p¨²blicas podem ajudar a facilitar a sobreviv¨ºncia de empresas vi¨¢veis que estejam enfrentando problemas de liquidez e a r¨¢pida sa¨ªda de empresas n?o vi¨¢veis do mercado. 

Os benef¨ªcios hist¨®ricos da implementa??o de procedimentos especializados para MPMEs em resposta a altos n¨ªveis de inadimpl¨ºncia podem ser vistos no Sudeste Asi¨¢tico, que vivenciou um grande endividamento nas d¨¦cadas de 1980 e 1990. As taxas de NPLs excederam 40% em algumas jurisdi??es, e as MPMEs n?o tinham acesso ao cr¨¦dito, ou estavam sujeitas a altas taxas de juros. Em resposta a isso, a Rep¨²blica da Coreia, a Mal¨¢sia e a Tail?ndia, por exemplo, implementaram reformas que definiam procedimentos distintos para casos grandes e complexos e para pequenas empresas. Na Coreia, foram celebrados, em meados de 2003, acordos de reestrutura??o em cerca de 80% dos casos registrados, o que representava cerca de 95% do total da d¨ªvida (empresarial).

Promo??o do perd?o da d¨ªvida e prote??o de longo prazo da reputa??o de ex-devedores

Uma parcela significativa das economias emergentes n?o tem marcos de fal¨ºncia pessoal. Portanto, nesses pa¨ªses, muitas fam¨ªlias superendividadas e pequenos empres¨¢rios disp?em de poucas op??es. A situa??o pode ser especialmente devastadora para os propriet¨¢rios de pequenas empresas, que, muitas vezes, financiam seus pr¨®prios neg¨®cios, pelo menos em parte, mediante d¨ªvidas com garantias pessoais. No contexto da Covid-19, muitos mutu¨¢rios est?o enfrentando esses desafios sem ter culpa direta pelo problema. Os tribunais devem buscar solucionar rapidamente os casos de pessoas e empresas sem renda ou ativos, e a lei deve fornecer mecanismos de quita??o e a possibilidade de um recome?o para todos os empres¨¢rios individuais. Despesas (como custas processuais) e barreiras ao acesso (como procedimentos excessivamente onerosos ou confusos) devem ser reduzidas, e, quando poss¨ªvel, eliminadas em casos de fal¨ºncia pessoal, especialmente naqueles em que n?o h¨¢ renda ou ativos dispon¨ªveis. 

Conclus?o

A d¨ªvida ¨¦ um elemento fundamental para a prosperidade e o progresso. Quando os devedores n?o conseguem cumprir suas obriga??es, s?o necess¨¢rios marcos jur¨ªdicos e institucionais sofisticados. Nessas circunst?ncias, a ina??o ou a m¨¢ gest?o pode levar a danos econ?micos substanciais. Essas reformas visam a evitar tais danos e estabelecer as bases para uma recupera??o equitativa no atual contexto sem precedentes da Covid-19.