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Cap¨ªtulo 2 . Riscos ligados ¨¤ Covid-19 e ao balan?o patrimonial dos bancos: como aumentar a transpar¨ºncia e facilitar a gest?o de empr¨¦stimos problem¨¢ticos

N?o h¨¢ precedentes hist¨®ricos para a escala de morat¨®rias da d¨ªvida e interven??es no setor financeiro implementadas para mitigar o estresse econ?mico imediato que afetou fam¨ªlias e empresas durante a pandemia de Covid-19. Essas interven??es cumpriram seu prop¨®sito no curto prazo: fam¨ªlias e empresas n?o foram levadas ¨¤ inadimpl¨ºncia [default] de forma generalizada, e, no final de 2021, os bancos n?o observaram grandes aumentos de empr¨¦stimos inadimplentes (NPLs). No entanto, ¨¦ consenso que aumentar?o os empr¨¦stimos problem¨¢ticos ¨¤ medida que os governos reduzirem suas interven??esi. Um risco resultante disso ¨¦ que supervisores e formuladores de pol¨ªticas p¨²blicas ter?o de enfrentar o desafio de interpretar balan?os patrimoniais pouco transparentes, que podem disfar?ar a extens?o do aumento de problemas relacionados ao pagamento de d¨ªvidas.

Ao longo do tempo, as crescentes dificuldades dos mutu¨¢rios provavelmente se traduzir?o em maior press?o sobre a qualidade dos ativos banc¨¢rios, o que se refletiria num aumento dos ¨ªndices de inadimpl¨ºncia. Para entenderem a magnitude das dificuldades, articularem uma estrat¨¦gia de resolu??o de NPLs bem-fundamentada e garantirem um acompanhamento oportuno com bancos fracos, os formuladores de pol¨ªticas p¨²blicas precisam de dados confi¨¢veis, atualizados e economicamente significativos sobre a exposi??o de bancos individuais a ativos problem¨¢ticos. A falta de transpar¨ºncia sobre a escala dos NPLs pode, portanto, atrasar a formula??o de pol¨ªticas amplas em resposta ao problema. Os NPLs n?o resolvidos reduzem a capacidade dos bancos de apoiar a recupera??o econ?mica com novos empr¨¦stimos e afetam desproporcionalmente os grupos mais vulner¨¢veis ¡ª geralmente os primeiros a serem privados de cr¨¦dito, o que, por sua vez, exacerba os desequil¨ªbrios no acesso financeiro. A falta de transpar¨ºncia sobre os NPLs tamb¨¦m pode minar a confian?a no setor financeiro e, em casos extremos, transformar-se em uma crise banc¨¢ria sist¨ºmica capaz de gerar uma recess?o severa e prolongada, com consequ¨ºncias para a pobreza e a desigualdade.

Experi¨ºncias passadas demonstram que problemas relacionados ¨¤ qualidade de ativos n?o se resolvem sozinhos sem pol¨ªticas p¨²blicas r¨¢pidas e abrangentes. Se ignorados, os NPLs tendem a crescer, gerando preju¨ªzos crescentes para o sistema financeiro. Quando o estresse se torna sist¨ºmico, as perdas de produ??o costumam ser muito persistentes, principalmente nos pa¨ªses em que os bancos t¨ºm capacidade limitada para absorver aumentos nas provis?es e perdas associadas ao crescimento de NPLs (figura 2.1). Embora n?o haja precedentes para a escala desse desafio (no contexto da Covid-19), as ferramentas para super¨¢-lo s?o bem conhecidas e podem impulsionar uma recupera??o mais equitativa ap¨®s a pandemia.

Figura 2.1 Capacidade dos sistemas banc¨¢rios de absorver o aumento de empr¨¦stimos inadimplentes (NPLs), por regi?o do Banco Mundial e por n¨ªvel de renda do pa¨ªs


Fonte: Equipe do RDM 2022, com base em Feyen e Mare (2021). 

Observa??o: A figura ilustra o aumento, em pontos percentuais e em n¨ªvel de pa¨ªs, nas taxas de empr¨¦stimos inadimplentes (NPL) capaz de eliminar as reservas de capital dos bancos equivalentes a pelo menos 20% dos ativos do sistema banc¨¢rio (ver Feyen e Mare, 2021). Os valores mais altos denotam uma maior capacidade de absorver aumentos de NPLs. A linha horizontal que subdivide cada caixa ¨¦ o valor mediano de cada grupo. A altura da caixa ¨¦ o intervalo interquartil. Os bigodes abrangem todos os dados dentro do intervalo interquartil de 1,5 do quartil mais pr¨®ximo. O gr¨¢fico (a) apresenta a distribui??o por pa¨ªs do aumento, em pontos percentuais, da taxa de inadimpl¨ºncia nas regi?es do Banco Mundial. O gr¨¢fico (b) ilustra a distribui??o por pa¨ªs do aumento, em pontos percentuais, da taxa de inadimpl¨ºncia conforme o n¨ªvel de renda dos pa¨ªses. Os dados banc¨¢rios subjacentes incluem at¨¦ o terceiro trimestre de 2020. EAP = Leste Asi¨¢tico e Pac¨ªfico; ECA = Europa e ?sia Central; LAC = Am¨¦rica Latina e Caribe; MENA = Oriente M¨¦dio e Norte da ?frica; SAR = Sul da ?sia; SSA = ?frica Subsaariana.

Embora as preocupa??es com NPLs muitas vezes se concentrem nos bancos formais, as institui??es de microfinan?as (IMFs) que atendem principalmente fam¨ªlias de renda baixa e micro, pequenas e m¨¦dias empresas (MPMEs), especialmente em mercados de renda baixa, enfrentam desafios semelhantes. No final de 2021, observou-se que as IMFs resistiram ¨¤ pandemia melhor do que se esperava inicialmente, mas a situa??o ¨¦ fluida, e as press?es sobre a qualidade dos empr¨¦stimos podem aumentar ¨¤ medida que forem encerradas as morat¨®rias de cr¨¦dito e vencerem os empr¨¦stimos reestruturados. A estrat¨¦gia delineada aqui e no cap¨ªtulo 2 para apoiar a identifica??o e gest?o oportunas dos NPLs aplica-se ¡ª essencial ou especificamente ¡ª ¨¤s IMFs. Seguem os elementos-chave da estrat¨¦gia.

Aprimoramento da transpar¨ºncia e redu??o dos incentivos para medi??es incorretas

Um primeiro passo importante ¨¦ a defini??o, por parte de reguladores e supervisores, de regras e mecanismos de enforcement eficazes que apoiem maior transpar¨ºncia sobre a sa¨²de dos balan?os patrimoniais dos bancos. Isso ¨¦ desafiador mesmo nos melhores momentos, e ainda mais dif¨ªcil na crise atual devido ¨¤ incerteza sobre as perspectivas econ?micas e ¨¤ extens?o e persist¨ºncia das perdas de renda de fam¨ªlias e empresas. O uso generalizado de morat¨®rias da d¨ªvida e outras medidas de apoio reduziu a comparabilidade das m¨¦tricas de NPLs entre os pa¨ªses e dentro deles, bem como ao longo do tempo. Para aumentar a transpar¨ºncia, o uso, por parte de bancos e supervisores, de defini??es internacionalmente acordadas de exposi??es inadimplentes e diferidas [nonperforming and forborne exposures] ¨¦ fundamental para monitorar e avaliar a qualidade dos ativos dos bancos de maneira consistente, entre diferentes jurisdi??es e dentro delas, bem como para facilitar solu??es oportunas para problemas crescentes relacionados ¨¤ qualidade dos ativos. A flexibiliza??o das defini??es regulat¨®rias obscurece os verdadeiros desafios relacionados ¨¤ qualidade dos ativos banc¨¢rios e, portanto, deve ser evitada.

Defini??es regulat¨®rias robustas devem ser sustentadas por uma supervis?o banc¨¢ria eficaz. Os supervisores banc¨¢rios, respons¨¢veis por fazer cumprir essas defini??es regulat¨®rias, tamb¨¦m devem garantir que os bancos cumpram as regras prudenciais. ? medida que aumenta a press?o sobre a qualidade dos ativos banc¨¢rios, eles t¨ºm incentivos para disfar?ar a extens?o de suas dificuldades ¡ª na tentativa de evitar uma resposta da supervis?o ou do mercado. Frente a esses incentivos, alguns bancos podem explorar brechas regulat¨®rias ou se envolver em pr¨¢ticas question¨¢veis, como, por exemplo, empr¨¦stimos evergreening (ou seja, rolagem de empr¨¦stimos para empresas financeiramente fr¨¢geis de forma a adiar continuamente o pagamento), supervaloriza??o de garantias ou transfer¨ºncia de empr¨¦stimos fora dos balan?os patrimoniais, de forma a apresentar um imagem excessivamente otimista acerca da qualidade dos ativos, o que, por sua vez, pode tornar o trabalho de supervis?o banc¨¢ria significativamente mais dif¨ªcil. 

Resolu??o de empr¨¦stimos problem¨¢ticos por meio de interven??es regulat¨®rias

Os bancos podem ser incentivados, por meio de v¨¢rias interven??es de pol¨ªticas p¨²blicas, a intensificar seus esfor?os para solucionar empr¨¦stimos problem¨¢ticos. Por exemplo, os supervisores banc¨¢rios podem exigir que os bancos criem unidades internas dedicadas ¨¤ recupera??o de empr¨¦stimos antigos. Essas unidades seriam dotadas do pessoal e dos recursos necess¨¢rios para aplicar uma metodologia-padr?o de avalia??o da viabilidade dos mutu¨¢rios. Dessa forma, um banco pode fortalecer sua capacidade de resolver NPLs de forma r¨¢pida e eficiente, mantendo opera??es banc¨¢rias que apoiem a origina??o de novos empr¨¦stimos e lidando com empr¨¦stimos problem¨¢ticos.

Interven??es de pol¨ªticas p¨²blicas, tais como estrat¨¦gias nacionais de resolu??o de NPLs para coordenar esfor?os de resolu??o entre as partes interessadas na economia, podem desempenhar um papel ¨²til na acelera??o da redu??o de d¨ªvidas inadimplentes. O governo da S¨¦rvia, por exemplo, estabeleceu um grupo de trabalho nacional de NPLs em maio de 2015, ap¨®s a crise financeira global, quando o ¨ªndice de NPL do setor banc¨¢rio atingiu 23,5%. O grupo de trabalho, que inclu¨ªa representantes dos setores p¨²blico e privado, elaborou e implementou uma estrat¨¦gia abrangente para reduzir os NPLs, o que contribuiu para uma queda r¨¢pida no ¨ªndice de inadimpl¨ºncia para um m¨ªnimo hist¨®rico de 3,4% em setembro de 2020ii.

Embora os bancos sejam os principais respons¨¢veis pela gest?o de empr¨¦stimos inadimplentes, podem ser necess¨¢rias interven??es governamentais mais amplas se o volume de empr¨¦stimos problem¨¢ticos comprometer a capacidade do sistema banc¨¢rio de financiar a economia real ou amea?ar a estabilidade do sistema financeiro. Alguns pa¨ªses com experi¨ºncia em n¨ªveis elevados de NPLs criaram empresas p¨²blicas de gest?o de ativos (AMCs) para administrar empr¨¦stimos problem¨¢ticos retirados dos balan?os patrimoniais dos bancos. Tal medida pode ajudar a restaurar a confian?a do p¨²blico no setor banc¨¢rio e evitar vendas desnecess¨¢rias de ativos a pre?os excessivamente descontados (fire sales). Na Mal¨¢sia (Danaharta) e na Espanha (Sareb), foram criadas AMCs p¨²blicas em conjunto com programas de recapitaliza??o de bancos com financiamento p¨²blico. O objetivo era superar as restri??es que o governo enfrentava para fornecer capital, sem o qual os bancos teriam sido incapazes de reconhecer, de forma transparente, toda a extens?o de sua exposi??o a empr¨¦stimos problem¨¢ticos. A justificativa e a efic¨¢cia das AMCs p¨²blicas dependem das circunst?ncias de cada pa¨ªs e da solidez do projeto geral. Trata-se de uma ¨¢rea em que as economias emergentes t¨ºm frequentemente enfrentado graves desafios.

Bancos problem¨¢ticos

Os esfor?os para refor?ar a transpar¨ºncia, combinados a medidas para fortalecer as reservas de capital dos bancos e exigir que eles desenvolvam a capacidade de lidar operacionalmente com NPLs, muitas vezes podem ajudar a resolver as situa??es em que bancos enfrentam riscos elevados de insolv¨ºncia. Em casos raros, no entanto, os bancos podem n?o conseguir gerir o estresse financeiro associado ao aumento dos NPLs, ou desenvolver um plano de recupera??o vi¨¢vel. Essa situa??o aumenta a urg¨ºncia da necessidade de desenvolver um forte conjunto de medidas de interven??o precoce para recuperar os bancos em dificuldades e liquidar os que estiverem falindo. Essas ¨²ltimas devem incluir um regime jur¨ªdico que defina as fal¨ºncias de bancos ¨¤ parte do sistema geral de insolv¨ºncia e forne?a ¨¤s autoridades uma gama mais ampla de op??es antes que os bancos se tornem insolventes. O conjunto de ferramentas necess¨¢rio tamb¨¦m deve incluir poderes para alocar perdas aos acionistas e detentores de passivos n?o segurados, protegendo, assim, os contribuintes contra perdas do setor financeiro.

As autoridades respons¨¢veis por lidar com bancos em dificuldades devem sempre priorizar solu??es capitaneadas e financiadas pelo setor privado. O uso de dinheiro p¨²blico para resolver uma crise deve ser o ¨²ltimo recurso, adotado somente ap¨®s as solu??es do setor privado terem sido totalmente exauridas e apenas para remediar uma amea?a aguda e demonstr¨¢vel ¨¤ estabilidade financeira.